28 de julho de 2019


SENTADOS À MESA COM JESUS
(Mt 26.17-30)

Um dos lugares mais agradáveis que sempre buscamos para alegria de nossas almas é a mesa. Nas mesas dos restaurantes, das sorveterias ou da casa de um amigo, podemos desfrutar de momentos que marcam nossa vida na companhia das pessoas que amamos. A mesa é símbolo de hospitalidade, comunhão e aceitação. Esta é uma das razões pelas quais Jesus fez da mesa um lugar muito especial. A mesa da cerimônia da Ceia do Senhor é o lugar para o qual Jesus nos convida para o brinde da comunhão. À luz do texto que lemos, quero compartilhar com você o que significa sentar-se à mesa com Jesus.

Em primeiro lugar, a mesa de Jesus é o lugar onde a verdade prevalece. Naquela mesa estava Judas, o discípulo que traiu Jesus. Uma verdade estava oculta e precisava ser revelada. “Em verdade vos digo que um de vós me trairá... Então Judas, que o traía, perguntou: Acaso, sou eu Mestre? Respondeu-lhe Jesus: Tu o disseste” (Mt 26.21, 25).
Judas é o retrato da desonra e da vergonha. Ele é a figura daqueles que nos beijam na face cravando o punhal nas costas. Judas é a figura que retrata a dissimulação; é a manifestação infame da aleivosia que expressa o caráter dos pérfidos. Ele é o retrato do falso irmão que nunca age face a face, mas sempre às escondidas, por trás dos bastidores. Sua especialidade é o disfarce, sua obra característica é a ruina de quem  obstrui a concretização de suas ambições pessoais. Judas é a figura dos que conseguem enganar os homens, mas não conseguem enganar a Deus. Ele é a figura dos que desonram a Deus e envergonham o evangelho. Na mesa de Jesus, Judas é desmascarado, porque a mesa de Jesus é o lugar da verdade.

Em segundo lugar, a mesa de Jesus é o lugar do encontro entre Deus e os pecadores eleitos. A mesa de Jesus foi o lugar onde Deus e os seus escolhidos sentaram-se face a face e brindaram a celebração de uma aliança eterna, por meio da qual a união entre ambos foi selada com o sangue precioso de Jesus, que seria derramado na cruz. Naquela mesa, o Deus Unigênito, empunhando um cálice com vinho, convidou: “Bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados” (Mt 26.27-28). “Em favor de muitos” – disse Jesus – não de todos os pecadores. Embora seu sacrifício tenha sido suficiente para todos, mas é eficaz somente para os eleitos. Cristo veio ao mundo para morrer em favor daqueles que o Pai lhe deu. Estava selado o pacto da salvação e a união eterna entre Deus e aqueles que, em Cristo, foram designados para a vida eterna, para contemplarem a glória que Jesus teve com o Pai, antes que o mundo existisse (Jo 17.9, 11, 24).
Uma vez que o sangue foi derramado para a purificação de pecadores, santidade é o requisito exigido daquele que senta à mesa com Jesus. “De modo que qualquer que comer do pão, ou beber do cálice do Senhor indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma do pão e beba do cálice. Porque quem come e bebe, come e bebe para sua própria condenação, se não discernir o corpo do Senhor” (1Co 11.28-29). Portanto, purifique-se antes de sentar-se à mesa com Jesus

Em terceiro lugar, a mesa de Jesus é o lugar da recordação. “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22.19). A mesa de Jesus é o lugar que nos traz a lembrança que Deus não se esqueceu de nós e que jamais devemos nos esquecer do que ele fez por nós: o pacto da salvação, a aliança eterna, firmada por Deus pela mediação de Jesus. A mesa de Jesus é o lugar onde a promessa de Deus é ratificada e cumprida. Isto jamais deve ser esquecido.
É inevitável que lembranças do nosso passado sejam esquecidas no futuro. Mas, por favor, preserve em sua memória a lembrança deste pacto cada vez que você, junto com outros irmãos, sentar-se à mesa com Jesus. Em memória dele, perpetuemos esta lembrança, até que ele volte para reunir-se conosco e permanecermos com ele, juntos para sempre.

Em quarto lugar, a mesa de Jesus é o lugar da promessa. Após o brinde com seus discípulos, Jesus fez uma solene promessa: “E digo-vos que, desta hora em diante, não beberei deste fruto da videira, até aquele dia em que o hei de beber, novo, convosco no reino de meu Pai” (Mt 26.29).
A mesa de Jesus é o lugar que nos faz lembrar da promessa que ele mesmo fez solenemente para alimentar a nossa esperança: “... até aquele dia em que hei de beber, novo, convosco no reino de meu Pai”. Um dia porvir, nós estaremos com ele em sua própria casa. Então, como convidados de honra, haveremos de sentar-nos com ele à mesa, a mesa da comunhão e da hospitalidade divina. Haveremos de brindar a vitória conquistada com o sacrifício de sua vida pelo qual fomos reconciliados com nosso Criador. Naquele dia, nós, somente nós, que fomos leais a ele; mesmo que nunca o tenhamos visto, mas nele tendo crido e nele tendo esperado, haveremos de vê-lo como ele é. Não sei que surpresa ele tem para nós, mas de uma coisa estou certo: ele cumprirá sua palavra, pois por nós ele viveu e morreu.

Em quinto lugar, a mesa de Jesus é o lugar da adoração verdadeira. "E tendo cantado um hino, seguiram para o monte das oliveiras" (Mt 26.30). Hino é o cântico espiritual por meio do qual Deus é louvado pelos seus legítimos adoradores. As Escrituras estão cheias de expressões que denotam o chamado a todo homem a adorar a Deus. "Cantai ao Senhor um cântico novo, cantai ao Senhor todas as terras. Cantai ao SENHOR, bendizei o seu nome; proclamai a sua salvação, dia após dia" (Sl 96.1-2).
Jesus estava ciente de que a comunhão com Deus é fonte de alegria que emana do coração daqueles que invocam a Deus de alma pura e entoam hinos de exaltação ao Criador, celebrando os seus grandes feitos. "Cantai ao SENHOR um cântico novo, porque ele tem feito maravilhas; a sua destra e o seu braço santo lhe alcançaram a vitória" (Sl 98.1).
Jesus estava ciente de que o culto é uma expressão de adoração verdadeira que procede de adoradores que não usam máscaras; de pessoas que manifestam integridade de caráter, isto é, de homens e mulheres de intenções corretas, de coração e lábios puros. Foi por esta razão que ele, num encontro com uma samaritana, uma mulher de moral suspeita, dirigiu-se a ela nos seguintes termos: "Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores. Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade" (Jo 4.23-24).
Convido você a vir e sentar-se à mesa com Jesus, sabendo que, para isso, você precisa ter certeza de que a mesa de Jesus é o lugar da verdade, onde as máscaras devem ser tiradas; é o lugar do encontro real e pessoal com Deus, o Supremo Legislador e Juiz de todos os homens. Nunca esqueça de que a mesa de Jesus é o lugar da recordação, onde Deus e o homem brindam a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte. Não esqueça jamais de que a mesa de Jesus é o lugar de uma promessa feita por Deus de que, um dia no porvir, estaremos reunidos com Ele na mesa de Jesus. Nunca esqueça de que naquela mesa estarão somente os santos que ele selecionou para contemplarem a glória que Jesus teve com o Pai, antes que o mundo existisse.


13 de fevereiro de 2019

O USO DA TEOLOGIA NA PREGAÇÃO EXPOSITIVA















José Vidigal Queirós [1]





RESUMO





INTRODUÇÃO

A exposição da Bíblia Sagrada através da pregação pública é a tarefa prioritária dos vocacionados para o ministério eclesiástico. Sendo a igreja a única detentora dos oráculos divinos, ela tem a incumbência de proclamar ao mundo a mensagem que lhe foi revelada, através da qual Deus se dá a conhecer - sua natureza, suas obras e seus desígnios - para que seu nome seja invocado em toda a terra. Mas as razões pelas quais a igreja alça sua voz profética têm suas raízes nas necessidades espirituais do ser humano. Isto implica dizer que a pregação expositiva é indispensavelmente útil para atender às demandas da natureza espiritual humana.
Mas, qual há de ser o conteúdo da pregação e qual a fonte deste conteúdo? Indubitavelmente, a resposta é: o conteúdo é a Palavra de Deus e sua fonte é a Escritura. O pressuposto básico para o estudo e a pregação da doutrina cristã, em geral, é que Bíblia é a palavra de Deus revelada na medida da necessidade humana. Portanto, para que a Palavra de Deus seja comunicada com exatidão, clareza e eficácia, a pregação expositiva é o meio de se obter isto.
Por caracterizar-se como expositiva, a pregação há de ser o meio pelo qual o conteúdo da revelação divina, as Sagradas Escrituras, passará por um processo de análise exegética. O resultado final, presume-se, não é outro senão a essência bíblico-teológica da mensagem que o autor do texto sagrado comunicou aos receptores originais de sua mensagem.
Uma vez que a teologia bíblica emana da exegese, o conteúdo da pregação é indiscutivelmente teológico em toda a sua essência. Esta é, portanto, a proposição a que neste estudo se destina e que se busca comprovar.

      1.       O fundamento da pregação bíblico-teológica

Suprir as necessidades espirituais humanas constitui-se na razão fundamental da pregação expositiva. Além disso, há objetivos específicos que a pregação da Palavra de Deus deve atingir. O primeiro a ser citado, consiste no fato de que a pregação expositiva é um meio de evangelização. Argumentando sobre este objetivo, Liefeld afirma que “quanto mais as pessoas sabem sobre a doutrina e a vida cristã quando se convertem, mais adiantadas estarão nos primeiros tempos de vida cristã”. (LIEFEL, Walter L., 1988, p. 20).
Outro objetivo específico da pregação expositiva consiste em declarar os desígnios de Deus para a igreja. O erro mais cometido com respeito a isto consiste em procurar a vontade divina em versículos isolados, algumas vezes, por acaso. Descobrir e declarar a vontade de Deus requer o conhecimento do seu caráter e como ele executou sua vontade ao longo da história. Portanto, a exposição da Escritura, de forma fiel e contínua há de equipar o povo de Deus a tomar decisões baseadas no nosso conhecimento adquirido sobre as diversas maneiras como Deus age.
Do ponto de vista divino, a pergunta pela necessidade da pregação expositiva é respondida pelas Sagradas Escrituras, através do conceito que lhe é atribuído e das finalidades para as quais elas foram designadas. O apóstolo Paulo, escrevendo a Timóteo, fez uma declaração na qual ele subentende que as Escrituras são o registro divinamente inspirado de tudo que Deus revelou para aperfeiçoar individualmente os membros da igreja em seu caráter e conduta, visando sua habilitação à prática de toda boa obra, referente ao exercício do ministério cristão (2Tm 3.16-17).
Revelação implica um revelador e um destinatário. A Escritura é uma mensagem da qual Deus é o autor e o homem, o receptor e comunicador aos demais. O discurso profético há de ser a voz de Deus através do homem como seu porta-vez. Segundo Vanhoozer, “a própria Bíblia descreve Deus como o agente do discurso: aquele cuja Palavra chega a Israel por meio da lei e dos profetas, e então ao mundo na pessoa de Jesus Cristo e de seu evangelho”. (VANHOOZER, Kevin J. Teologia Primeira: Deus, escritura e hermenêutica. São Paulo: Shedd Publicações, 2016, p. 41.).
Na tentativa de descrever a relação entre Deus e a Escritura, Vanhoozer assevera:
Afirmo que o melhor meio de considerar Deus e a Escritura juntos é reconhecer Deus como o agente comunicativo e a Escritura como sua ação comunicativa. A virtude desse constructo, no que tange à teologia primeira, jaz na tese implícita de que ninguém é capaz de discursar a respeito de Deus à parte da Escritura; e tampouco fazer justiça à Escritura de forma abstrata a partir de sua relação com Deus. Se a Bíblia é um tipo de ação comunicativa de Deus, segue-se que ao usar a Escritura não se lida apenas com uma informação a respeito de Deus; entra-se em contato com o próprio Deus – com Deus em ação comunicativa. [2]

A pergunta sobre o que é a Bíblia, Graeme Goldsworthy responde, expondo argumentos sobre três intitulações enfáticas: (1) “A Bíblia é a Palavra do único Deus” - uma abordagem sobre a unicidade e a singularidade de Deus como base para uma concepção correta de sua autoridade suprema; (2) “A Bíblia é a única Palavra de Deus” - a singularidade e a unidade da Bíblia resulta da unicidade divina; (3) “A Bíblia é a Palavra de Deus sobre o único caminho da salvação” - uma abordagem bíblico-teológica a respeito da soteriologia, visando afirmar a convicção cristã a respeito do único caminho de salvação. [3]
Indiscutivelmente, tais conceitos denotam axiomas de cunho teológico dos quais derivam o conteúdo doutrinário da pregação. Deve-se levar em conta que, durante o progresso da revelação, a palavra de Deus está na boca de um profeta, em forma humana e é, ao mesmo tempo, revelação de Deus e do homem diante de Deus. Isto faz com que, de acordo com Shreiner, “a palavra de Deus, transmitida pelos profetas e confirmada na vida do povo como transmissão de uma mensagem e efeito de uma força, transforma-se em uma categoria teológica capaz de compreender e explicar outros lados e intervenções de Deus...”. (SHREINER, J. Palavra e Mensagem do Antigo Testamento. São Paulo: Teológica, 2004, p. 26). Isto torna necessária a exposição metodológica das Escrituras, cuja interpretação, impreterivelmente, resultará da exegese bíblica.
A questão que emerge da necessidade de uma interpretação fiel do texto sagrado jamais deve ser negligenciada quando se trata de pregação expositiva. O risco da subjetividade substituir o conteúdo real da mensagem bíblica não é dos menores, uma vez que todo pregador já está munido de uma confissão de fé adotada como seu referencial doutrinário à luz da qual busca interpretar as Sagradas Escrituras. A aplicação de regras e diretrizes é o fator decisivo quando se trata da fidelidade do expositor às Escrituras. Por esta razão, antes de funcionar como expositor, o pregador funciona como exegeta.
Segundo os renomados hermeneutas, Köstenberger e Patterson, ao encarar uma perícope como objeto da exegese o intérprete deve considerar que o texto das Escrituras, “não é neutro, isto é, passível de uma grande variedade de interpretações, todas reivindicando ser uma leitura igualmente válida de determinada passagem [...]”. Eles são do parecer que “ texto não é, tampouco, autônomo [...] é, antes, um produto planejado e moldado por autor particular e exige, nesse sentido, uma interpretação cuidadosa e respeitosa”. (KÖSTENBERGER, Andreas J.; PATTERSON, Richard D. Convite à Interpretação Bíblica: a tríade hermenêutica, história, literatura e teologia. São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 58.).

      2.       Teologia a partir da exegese bíblica

Qualquer que seja o conceito de teologia, no contexto da fé cristã, este há de ser essencialmente bíblico. Teologia (do grego Theos = Deus e Logos = palavra, proferida a viva voz, que expressa uma concepção ou ideia; discurso), etimologicamente, significa o discurso sobre Deus. Apresentando uma definição de teologia, John Piper postula: “O assunto da teologia é Deus, o Criador, o Senhor vivo, conforme ele é no seu relacionamento com tudo quanto não é ele mesmo – inclusive nós mesmos [...], porque a Bíblia se centraliza em Deus governando, julgando e salvando a humanidade”. [4]
De modo específico, referindo-se à Teologia Bíblica, ele a define como sendo “a disciplina que sintetiza as descobertas da exegese de modo temático e também histórico”. (PIPER, J. 2012, p. 74.). Este conceito atribui à teologia a conotação de que a mesma é a substância da mensagem do texto bíblico explorado exegeticamente. Isto torna evidente o fato de que toda interpretação exegética da Bíblia é teológica e tem como destino servir como matéria do sermão.
Mas surge uma questão: Como a teologia e a leitura bíblica se correlacionam entre si? Em sua resposta, Piper declara:
Em primeiro lugar: a teologia como atividade corretamente entendida é mesmo a leitura da Bíblia, conforme ela deve ser, e a leitura da Bíblia, corretamente entendida é mesmo a teologia, conforme ela deve ser. Em segundo lugar: a teologia como depósito e recurso pode acrescentar muita coisa à leitura da Bíblia por parte do crente individual, do grupo de estudo, da congregação que estuda junto e da igreja no seu sentido mais amplo. [5]

 Assim sendo, a atividade teológica cristã não é tarefa exclusivamente acadêmica; não diz respeito a uma versão racional do conhecimento de todas as coisas relacionadas à fé. Nestes termos, todo leitor da Bíblia, quando interpreta e aplica o conteúdo da mensagem lida, exercita sua habilidade da busca e apropriação do conhecimento da revelação divina. Goldsworthy considera que “todo cristão é um intérprete; todo cristão deve ser um teólogo bíblico”; e, com base nesta premissa, declara que “o pregador é um intérprete da Escritura, como é todo cristão que lê a Bíblia e procura dar sentido à aplicação da Bíblia à nossa vida diária”. [6]
Em resposta à pergunta sobre os motivos pelos quais os cristãos comuns devem ocupar-se com a teologia, Piper apresenta quatro razões: (1) A teologia mostra a todos nós como devemos abordar a Bíblia; (2) A teologia coloca diante de nós a substância da Bíblia; (3) A teologia ajuda a todos nós a mantermos o ponto de vista da Bíblia; (4) A teologia nos deixa prevenidos, de antemão, contra todos os modos heréticos de entender a Bíblia. [7] Indiscutivelmente, a teologia é indispensável à pregação expositiva.
A teologia se torna necessária em razão da necessidade religiosa humana. A prática da religião tem se desenvolvido desde os primórdios da história em virtude da aspiração transcendental do homem. Através da pregação expositiva das Escrituras, a igreja age como canal de transcendência para o homem. Portanto,  uma concepção correta de Deus é indispensável para a garantia de uma relação ajustada entre a criatura e o seu Criador. Assim sendo, religião e teologia estão interligadas e são interdependentes. Nesta perspectiva, a teologia é uma ciência a serviço do homem para que, através dela, ele venha a compreender a ciência revelada de Deus. Este é o ponto no qual a teologia e a ciência se interceptam. Henry Thiessen, interpreta esta interceptação da seguinte forma:
A relação entre teologia e religião é a de efeitos, em esferas diferentes, produzidas pelas mesmas causas. No campo do pensamento sistemático, os fatos que se referem a Deus e Suas relações com o universo levam à teologia; na esfera da vida individual e coletiva, eles levam à religião. Em outras palavras, na teologia um homem organiza seus pensamentos com referência a Deus e ao universo, e na religião ele expressa, em atitudes e ações, os efeitos que esses pensamentos produziram nele. [8]

A questão suscitada por esta discussão demanda por um método de interpretação das Escrituras. Uma vez que os livros sagrados foram escritos em um contexto histórico-cultural remoto, a busca pela interpretação fiel da mensagem bíblica, que possa ser aplicada ao contexto do leitor atual, deu vazão ao surgimento da Hermenêutica e da Exegese como ciências da interpretação a serviço da homilética. Alexandre Jr é de parecer que “exegese e homilética são disciplinas que se complementam como partes de um mesmo todo”. (ALEXANDRE Jr, Manoel. Exegese do Novo Testamento: um guia básico ara o estudo do texto bíblico. São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 381.). Estes foram os recursos metodológicos utilizados pelos eruditos com o objetivo específico de descobrir, entender e expressar com precisão e clareza todo o conteúdo da revelação divina, registrado pelos hagiógrafos, de tal forma que sua mensagem satisfaça plenamente às exigências do ministério eclesiástico, no que se refere ao exercício do seu ofício profético, em especial, a pregação expositiva. Concebendo a teologia como uma ciência, Hodge afirma:
A Bíblia é um sistema teológico não mais que a natureza é um sistema químico ou mecânico. Encontramos na natureza os fatos que o químico ou o filósofo mecânico tem a examinar, e à luz deles poder verificar as leis pelas quais são determinados. E assim a Bíblia contém as verdades que o teólogo precisa coligir, autenticar, organizar e demonstrar em sua relação natural umas com as outras. [9]

O método teológico de exposição das Escrituras deriva diretamente de uma análise exegética do texto sagrado. Mas, como isto pode ser feito e por que? Há três razões pelas quais isso acontece. A primeira consiste no fato de que é necessário descobrir o significado da revelação, ou seja, a exposição das Escrituras requer uma interpretação fiel obtida através da exegese, cujo processo de análise culmina na emissão do real significado bíblico-teológico do texto. A segunda razão reside na necessidade de se compreender o significado da revelação. Isto ocorre porque a aplicação prática requer inteligibilidade da mensagem pregada. Portanto, a exposição homilética do texto interpretado só se torna eficazmente inteligível aos ouvintes, quando o conteúdo é didaticamente sistematizado. A terceira razão consiste na aplicação do significado da revelação à prática. A sistematização didática de qualquer conteúdo bíblico há de sempre ocorrer através da especificação temática do conteúdo teológico resultante da exegese. Este não é outro, senão, o pensamento teológico do texto.
Isto implica que todo resultado de uma análise exegética do texto sagrado destinado à pregação é essencialmente bíblico-teológico. Por conseguinte, isto significa dizer que a teologia (o discurso sobre Deus) é a substância da pregação expositiva. Para um entendimento mais claro, é necessário que se defina o que é teologia bíblica. Goldsworthy, propõe como conceito de Teologia Bíblica a definição de Geerhardus Vos, como sendo “aquele ramo da teologia exegética que lida com o processo da auto-revelação de Deus registrada na Bíblia”. [10] Continuando sua definição, ele afirma:
Do ponto de vista do pregador evangélico, teologia bíblica envolve a busca pelo grande quadro, a visão geral da revelação bíblica. Uma característica da natureza da revelação bíblica é que ela conta uma história, em vez de apresentar princípios atemporais abstratos. A Bíblia contém, realmente, muitos princípios atemporais, mas não de forma abstrata. Eles são dados em um contexto histórico de revelação progressiva. Se permitimos que a Bíblia conte a sua própria história, achamos um todo significativo e coerente. [11]

No percurso da história, a igreja cometeu erros e acertos no que se refere à teologia que culminou na Reforma, que consistiu no retorno às origens, no que se refere à ortodoxia cristã. Por esta razão, a igreja atual construiu seu perfil a partir do seu contexto histórico, no qual a teologia emergiu. O pano de fundo para a teologia bíblica não deve ser outro, senão, o retorno da Reforma à doutrina da sola scriptura (somente a Escritura). A teologia bíblica, impreterivelmente, deve ser sempre uma expressão fiel da revelação. Portanto, a submissão à autoridade suprema da Bíblia é condição sine qua non para que as pressuposições de todo intérprete tenham base na revelação da Bíblia Sagrada.

       3.        O conteúdo teológico da pregação expositiva

Liefeld, argumentando sobre os objetivos e o conteúdo da pregação expositiva, pressupõe o uso da teologia como uma alternativa. Em sua concepção, “quem se põe a pensar sobre os objetivos da pregação expositiva, naturalmente deve pensar em ensinar doutrina ou teologia”. (LIEFELD, p. 22). Para confirmar tal concepção, ele declara:
O exemplo mais comum provavelmente é a recapitulação de verdades que encontramos nas epístolas paulinas. Constante tarefa do teólogo sistemático é sintetizar as verdades bíblicas e relacioná-las de maneira compreensível com estruturas de pensamento contemporâneas, e a teologia deve sempre os manter informados e direcionar nossa pregação, mas a melhor maneira de transmitir a verdade divina nem sempre é através de proposições. [12]

Embora ele não descarte o valor da Teologia Sistemática, reconhece que, devido à metodologia empregada pelo teólogo na estruturação do pensamento, ela não favorece a exposição exaustiva de um texto bíblico, escolhido pelo pregador como fonte da mensagem. Ele propõe que a alternativa seja a Teologia Bíblica. Goldsworthy compreende que a teologia que é bíblica tem o seguinte perfil:
Visto que a teologia bíblica é uma disciplina descritiva, seu método é ditado principalmente pelo modelo da própria Bíblia. Uma teologia verdadeiramente bíblica aceita o ponto de vista bíblico sobre a revelação. Contudo, há diferentes maneiras de lidar com o material [...]. O ponto de partida metodológico mais apropriado é o evangelho, porque a pessoa de Jesus é proclamada ali como a expressão final e mais plena da revelação de Deus sobre o seu reino. [13]

A necessidade da teologia na pregação expositiva é justificada pela qualidade que a pregação deve ter. A boa pregação há de ser aquela que transmite com fidelidade a mensagem central de um texto bíblico. Mais que isso, a comunicação desta mensagem deve ser feita com o uso da estrutura e dos detalhes apropriados à passagem e ao contexto e objetivo do sermão. Ela há de satisfazer às reais necessidades dos ouvintes de maneira consistente, sobe a égide do Espírito Santo. Portanto, para ser inteligível, o sermão expositivo deverá ser produto de uma exegese eficaz que culmine na formulação teológica do pensamento que o autor do texto propôs-se a comunicar.
A função do pregador consiste em comunicar com clareza e objetividade a mensagem extraída das Sagradas Escrituras. O conteúdo da mensagem não é outro senão aquilo que resultou de seu trabalho em busca de uma interpretação fiel e precisa do texto sagrado. Reconhecendo que a Escritura é conteúdo da revelação divina, então, tudo que nela está contido é exatamente aquilo que Deus quer que o homem saiba a respeito dele. Mas, especificamente, qual deve ser o conhecimento do qual todo ser humano tanto necessita para manter uma relação ajustada com Deus? O conhecimento revelado de Deus consiste na resposta às questões fundamentais que atendem às demandas transcendentais do homem.
A primeira é a pergunta sobre a possibilidade de Deus ser conhecido.  A revelação é um fenômeno espiritual e exige fé. Sem ela não se pode conhecer a Deus. Diante de tal concepção, temos uma questão a levantar: A fé é um conhecimento? O fato de que o crente consegue saber sobre Deus por meio da fé não quer dizer que a fé seja algo que resulta de uma instrução irracional, isto é, de um cego pressentimento da obscuridade. A fé não nos mostra Deus racionalmente, mas nos faz concebê-lo razoavelmente.
A fé também consiste num ato vital de nossa faculdade mental e, portanto, é um conhecimento desenvolvido pela percepção espiritual estimulada pela revelação divina. Andamos por fé e não por vista (2Co 5.7). Desta forma, tudo que conhecemos por meio da fé não se pode obter pelo empirismo que se prende aos fenômenos sensoriais. A fé, segundo nos diz o autor de Hebreus, é a base de sustentação das coisas que esperamos e argumento convincente das coisas que não vemos (Hb 11.1).
O autor da Epístola aos Hebreus escreve: "De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus, creia que ele existe e que é galardoador dos que o buscam" (Hb. 11:6). É certo que o escritor não está querendo aqui convencer os leitores de que Deus existe e sim, explicar o conceito de fé. Portanto, a pergunta por Deus tem sua resposta na revelação, teologicamente sistematizada para facilitar o entendimento por parte dos destinatários da mensagem proclamada.
A revelação bíblica consiste na resposta divina às questões existenciais do homem. Ao pregar, o mensageiro de Deus responde a tais questões através da exposição sistematizada das Escrituras. Todo o conteúdo da Bíblia resume-se na resposta às seguintes questões de abordagem do teólogo: (a) O que é Deus? - a resposta traz o conhecimento ontológico do ser divino; (b) O Deus faz? - conhecimento que responde sobre a atividade divina no universo em prol de toda a criação; (c) Como Deus se comporta? - conhecimento necessário a uma compreensão do caráter e da conduta divina no seu relacionamento com suas criaturas e, de um modo especial, com o homem; (d) Qual o eterno desígnio de Deus? - conhecimento que responde sobre o propósito soteriológico divino.
Todo o conteúdo da Bíblia é, sem dúvida, a resposta de Deus através da auto-revelação a respeito de tudo que todo ser humano mais busca para suprir as demandas de sua natureza limitada e para a satisfação plena do seu ser. A tarefa do expositor da Escritura consiste, portanto, em explicar e aplicar à vida humana o conteúdo da revelação divina como resposta às demandas do homem. Pregar expositivamente é pregar teologicamente. Teologia e pregação expositiva são inseparáveis; uma está a serviço da outra.

CONCLUSÃO

A pregação expositiva assume uma natureza bíblico-teológica e as bases de seu fundamento constitui-se nas demandas e aspirações transcendentais da natureza limitada humana. O texto sagrado, que serve de fonte do conteúdo da pregação, emana da revelação de Deus. O discurso divino flui por meio do porta-voz humano, o pregador expositivo, como instrumento de comunicação da verdade divina de forma inteligível e, para tanto, a interpretação das Sagradas Escrituras, tão necessária à exposição precisa e fiel, há de ser obtida pelo pregador, fazendo uso da hermenêutica e da exegese.
Para uma aplicação da mensagem divina à vida cristã, o sermão nasce como o recurso retórico, ou ainda, um esboço estruturado do conteúdo teológico oriundo da revelação divina, registrada nas Sagradas Escrituras. Assim, a teologia bíblica é substância do sermão e fonte que supre o ministério da pregação. Não há exposição bíblica que não seja teológica e não há teologia, essencialmente bíblica, que não seja útil ao ministério da pregação.

ABSTRACT


This study is based on the assumption that biblical preaching is undoubtedly an exposition of the sacred text, the content of which is extracted directly from the Bible through a process of exegetical analysis. Thus, the meaning of the text of the Scriptures is redeemed and expressed in a current language - Biblical Theology - intended for public exposure, aiming at the edification of the church and the evangelization of sinners in general. In this way, the use of theology is imperative to expository preaching. Once biblical theology emanates from exegesis, the final result of the process of analysis of the sacred text is to redeem the original meaning of the divine revelation content that will be used by the preacher during the exposition of the Word of God.



KEY WORDS: Biblical Theology, Scriptures, preaching, exposition.


REFERÊNCIAS

ALEXANDRE Jr, Manoel. Exegese do Novo Testamento: um guia básico ara o estudo do texto bíblico. São Paulo: Vida Nova, 2016.

GOLDSWORTHY, Graeme. Pregando toda a bíblia como escritura cristã. São Paulo: Fiel, 2013.

HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001.

KÖSTENBERGER, Andreas J.; PATTERSON, Richard D. Convite à Interpretação Bíblica: a tríade hermenêutica, história, literatura e teologia. São Paulo: Vida Nova, 2015.

LIEFELD, Walter L. Exposição do Novo Testamento: do texto ao sermão. São Paulo: Vida Nova, 1988.

PIPER, John. Hermenêutica: uma abordagem interdisciplinar da leitura bíblica. São Paulo: Shedd Publicações, 2012.

SHREINER, J. Palavra e Mensagem do Antigo Testamento. São Paulo: Teológica, 2004.

THIESSEN, Henry C. Palestras em Teologia Sistemática. São Paulo: Batista Regular, 2014.

VANHOOZER, Kevin J. Teologia Primeira: Deus, escritura e hermenêutica. São Paulo: Shedd Publicações, 2016.



[1] O autor é Bacharel em Teologia, pós-graduado (lato sensu) em Teologia Bíblica; pós-graduado em A Arte da Pregação Expositiva pela FATEBE - Faculdade Teológica Batista Equatorial, Belém-PA, e graduado em Pedagogia pela Universidade Vale do Acaraú. Atualmente é docente do Seminário Teológico Batista em São Luís, onde leciona as disciplinas de Teologia Sistemática e Exegese no Antigo Testamento
.
[2]  VANHOOZER, Kevin J. op. cit. p. 41.
[3] GOLDSWORTHY, Graeme. Pregando toda a bíblia como escritura cristã. São Paulo: Fiel, 2013, pp. 47-52.
[4] PIPER, John. Hermenêutica: uma abordagem interdisciplinar da leitura bíblica. São Paulo: Shedd Publicações, 2012, p. 72.
[5]  PIPER, John. Op. Cit. p. 81.
[6]  GOLDSWORTHY, Graeme. Op. Cit. p. 28.
[7]  PIPER, John. Op. Cit. pp. 85-94.
[8] THIESSEN, Henry C. Palestras em Teologia Sistemática. São Paulo: Batista Regular, 2014, p. 7.
[9] HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 1.
[10] GOLDSWORTHY, Graeme. Op. Cit. p. 61.
[11] GOLDSWORTHY, Graeme. Op. Cit. p. 61.
[12] LIEFELD, Walter L. Exposição do Novo Testamento: do texto ao sermão. São Paulo: Vida Nova, 1988, p. 22.
[13] GOLDSWORTHY, G. Op. Cit. p. 65.